Salve Geral! Pra leitura ficar legal ouça esse clássico
Mister Theo - Cerveja
Acompanhando bem de perto a cena do Rap Brasileiro, fiquei intrigado e até mesmo perdido sobre qual meu papel, minha representação nesse segmento musical tão cheio de estereótipos e estigmas, mas que já vive há 40 anos. Calma gente, não sou mestrando em nada, faço Rap e se caso você, leitor, for um mestrando, me peça permissão antes de dar controlc controlv, firmeza? Continuemos:
Intriguei-me, pois comecei a pensar em quando comecei a apenas escutar o Rap. Eu me divertia, criança, observando meu irmão mais velho dançando ao som de
Holliday Rap. E segui achando que o Rap fosse apenas divertido, divertido como forma de diversão, de lazer. Até que me deparei com outra lembrança dessa minha época de recém-saído das fraldas, o filme
Beat Street, no inovador aparelho doméstico de alta-tecnologia chamado
video-cassete, na casa de parentes. Altas cores berrantes nos muros e nas roupas, aquela dança com um quê de briga e um som, para mim, fatalmente instigante.
Em
terra brasillis, o que chegou ao meu ouvido em 1987, eu acho, foi o
Melô da Lagartixa, do
NDee Naldinho, uma cadência de fácil assimilação, até para crianças. E segui achando, sem saber o que era Rap e o que ele representava, já naquela época, que o Rap era divertido e polivalente.
Eu gostaria de ter nascido até um pouco antes para poder ter absorvido mais toda essa essência em tempo real, digamos.
Mas me lembro que as letras não eram censuradas pelas mães, por isso escutávamos e decorávamos com facilidade. E havia cores. Eu já adorava cores, desenhos, até por isso me entristecia pelo fato da TV que, fora a dificuldade de mudar o canal, era em preto-e-cinza. Tudo bem, me conformava, o Snoopy era branco-e-preto.
Nos anos 90 as cores ficaram mais sóbrias e as letras também. As calças e macacões mudaram visivelmente de largura e ganharam costuras brancas, os coletes com brasões de times da NBA e bonés com placas de ferro. A cobrança de postura saía diretamente das letras e fincava raízes no nosso cotidiano. Ficamos sérios, mini-sisudos, relativamente conscientizados politicamente e etnicamente. Seguíamos a religião do Rap. Tudo o que não fosse Rap era automáticamente descartado. E os anos 90 seguiram assim, com o Rap passando de sisudo para ranzinza e até ufanista, xiita totalmente, abominando os pagodeiros e os sertanejos, praguejando e agredindo fisicamente. Bizarro pensar nisso, o Rap tinha uma briga declarada com o pagode, e os pagodeiros sempre gostaram do Rap.
As bases para as letras foram ficando cada vez mais lentas e enfadonhas, sintetizadores macabros e um discurso que mudou da conscientização politico-etnico-racial para simplesmente ódio. Aqui cabe lembrar o que citei pouco acima, sobre a censura das mães sobre o Rap.
Nessa época caiu sobre nos, os cantores de Rap, e eu já era um deles, o estereótipo de ex-presidiário, ladrão, drogado, pessoa violenta e toda a sorte de pobres-diabos que possa existir no mundo.
Muitas mães, por não querer que o filho escutasse aquele tipo de música, foram ofendidas por seus filhos, tamanha era a fúria implantada por esse ou aquele Rap.
Convém dizer que a culpa não é toda do compositor, mas do ouvinte final também, depende da interpretação da letra e do contexto onde ela é consumida. Pensando bem, culpa é pesado demais, culpado por escrever Rap não existe, mas ponderar é sempre válido. Um produto bem elaborado não dá defeito.
Alguns seguiram acreditando piamente em tudo, outros consumiam Rap americano, era o meu caso. Gerava uma certa polêmica eu ouvir Busta Rhymes num foninho enquanto no carro do mano rolava Rap Brasileiro, mas tudo se tranquilizava quando tocava
Tupac. Imagine se essa rapaziada sonhasse que eu escutava
Toy Dolls quando pequeno!
As roupas continuavam sóbrias, os grafites e o espírito de combate ao preconceito se tornaram coisas raras na própria vizinhança, apenas em lugares onde o Rap era um elemento da Cultura Hip-Hop, que respeito muito, aliás. Lugares como a Casa do Hip-Hop em Canhema_SP. Fora desses espaços que são venerados pelos amantes do Hip-Hop, o Rap em si é a música do gueto. Mas o termo
música do gueto virou lugar-comum, não havia alguém em quadras que explanasse o que o termo e o próprio Rap representavam. Lembrei-me o porque de o Jota ser Ghetto. Foi exatamente nessa época, meio para fim de década.Eu muito fã de Mario Puzzo fui lá nos livros dele saber que
ghetto é uma palavra italiana. Gostei daquilo, na minha cabeça Itália era mafia e eu precisava de um vulgo que não fosse tão pala, mas que tivesse essa coisa do gangster.
Se perdeu no texto? Pois é, eu não, fica ligeiro. Estamos nos finalmente dos anos 90,
Fim-de-semana no Parque foi substituído por
Diário de um detento,
Holliday Rap deu lugar a Hit em Up roupas coloridas e de tamanho considerado normal, viraram jacos grandes e calças largas. Acompanhei tudo isso e, exceto quando não muito aceito dentro do próprio Rap, sempre me senti à vontade, afinal eu já era um tijolo dessa construção chamada Rap.
Na primeira década do segundo milênio as coisas foram esfriando, pelo menos no que diz respeito as festas, que antes eram festas e depois tinham aparência de culto religioso. As bases instrumentais super-lentas atravessaram o milênio e o rapper regia a massa vestida de jaco até os joelhos e copos plásticos cheios de conhaque. Nessa época eu perdi a vontade de ir em shows, a minha concepção de festa era outra, havia de ter uma dança, eu pensava. Quando muito era uma roda de B-Boys que dançavam meia hora. Quando muito. Passei a frequentar os pagodes e muito raramente ia aos eventos de Rap, e quando ia, voltava arrependido com cara de eu-já-sabia. Isso até o meio da década de 2000. Me senti velho lembrando coisas que presenciei 20 anos atrás.
Essa cena, relativamente nova, de rappers duelando trouxe um frescor e me fez lembrar do filme Beat Street, era a batalha voltando, era a essência, era minha infância voltando. E as roupas também voltaram. E coloridas. A estética toda dos anos 80. Percebi outra coisa, classes sociais antes nunca ou quase nunca vistas, ou declaradas amantes de Rap agora frequentavam as festas, as competições de rima de improviso. Não nego, minha primeira reação foi extremamente preconceituosa, depois substituí o preconceito por uma saudade de quem parou de fazer Rap, e eles poderiam estar ali também.
Comecei a pensar que se talvez o Rap nunca tivesse inventado briga com o pagode, soubesse chegar nos pais, assim como chegou nos filhos, talvez esses manos estivessem ali realmente. Hoje vemos a volta do Rap aos top10 da MTV, sendo convidado para programas de entrevistas, atendendo e criando mais público, dando o retorno a quem comprou o cd e a camiseta.
Acho que nem preciso falar o quanto a internet está sendo importante nesse processo todo. E os shows estão por todos os estados do País. Era o que o Rap sempre quis mas não sabia como. Chegou até a ser taxado de pop, emo-rap, errôneamente, o que temos são as novas versões de
story tellers (contadores de casos), pessoas falando abertamente sobre seus pontos de vista, deixando aquela hipocrisia do Rap da década de 90 no passado. cantam sobre amor, assim como Marvin Gaye e Stevie Wonder. Deviam ser, por este motivo, respeitados, não crucificados. Unem-se a outros músicos de outros estilos, levando a frente a ideologia de igualdade que Afrikaa Bambaata pregou. É belo de se ver, é um renascimento. Foi-se o tempo em que a chancela para cantar Rap era ter evadido a escola, ou ter passagem pela polícia, hoje vemosrappers graduados, com curso superior.
Alguns termos mudaram também. Bases agora são beats e rappers são MC's. A configuração de palco também mudou, os grupos deram lugares a cantores solo. As roupas estão visivelmente carregadas de informações de moda vindas de outras tribos, motivos nerds e tudo mais.
Comparando essas três décadas eu penso que o Rap em si não mudou tanto, é a fala rimada e ritmada junto com seu DJ ou MPC, mas espero que mude, já que agora ele resolveu olhar para trás e reconstruir toda a tradição que começou nos anos 80, coisa que muitos dos rappers da década de 90 não fizeram muito e por isso, na minha crença, sumiram. Recomeçar é preciso para que a cena mude, tal qual uma cidade devastada por bombas. Meu papel, ainda não sei, mas estou no jogo...
J.Ghetto.